sexta-feira, 25 de maio de 2012



RESENHA – O MAPA DO TEMPO [Félix J. Palma]

FC ou não FC, eis a questão...

     “O que é ficção científica?” continua sendo uma das perguntas cuja resposta correta vale um milhão de dólares. Para qualquer definição dada, não demorará para que algum nerd devoto apareça, tirando da manga pelo menos um ou dois exemplos que, de alguma forma, fugirão da definição proposta, e ainda assim terão características que os dignifiquem para se candidatarem ao gênero. Talvez uma das definições mais completas, entretanto, que prima por sua simplicidade, foi-me oferecida pelo espanhol Félix J. Palma em seu romance “O Mapa do Tempo” (editora Intrínseca, 2010), ganhador do XL Prémio Ateneo de Sevilla em 2008. Palma define como “romance científico”, para usar uma terminologia mais adequada ao século XIX onde se desenrola sua história, "qualquer história fantástica que tentasse se justificar por meio da ciência”. Salta aos olhos uma nova pergunta: “O Mapa do Tempo” é ficção científica?...

     O romance nos é apresentado na forma de um fix-up em três partes. Na primeira, o torturado jovem londrino Andrew Harrington procura uma forma de voltar no tempo para salvar a vida de Marie Kelly, a mulher por quem era perdidamente apaixonado e que foi a quinta vítima do serial killer conhecido como “Jack, o Estripador”. Curiosamente, essa mesma moça foi personagem de uma das noveletas mais queridas de minha própria lavra, “Os Primeiros Aztecas na Lua” (coletânea Vaporpunk, editora Draco, 2010). Para esse fim, Harrington recorre a uma improvável empresa chamada “Viagens Temporais Murray”. Seu proprietário, Gilliam Murray, realiza expedições turísticas regulares a um dia específico no ano 2000, para que seus clientes testemunhem a derradeira batalha da guerra apocalíptica entre humanos e autômatos, vencida pelo Capitão Derek Shackleton, herói humano que confronta Salomão, líder dos robôs assassinos, num duelo de espadas. Paralelamente, entra discretamente em cena ninguém menos que o escritor H.G.Wells, que acabara de lançar seu romance “A Máquina do Tempo”, e que, de maneira insidiosa, acaba tornando-se o personagem central em torno de quem se desenrola toda a narrativa do livro em suas três partes.

     Na segunda etapa do livro mergulharemos nos bastidores da “Viagens Temporais Murray”, e acompanharemos a terna história de amor entre Claire Haggerty, uma jovem decididamente muito avançada para seu tempo, e ninguém menos que o Capitão Derek Shackleton, sim!, o herói da humanidade do ano 2000! A sequência onde o rapaz se esforça para seduzir a mocinha usando uma salada de paradoxos temporais, e a insana troca de cartas “retrofuturistas” que se segue são, para mim, o ponto máximo do livro.

     Na terceira parte de “O Mapa do Tempo”, quando o título da obra finalmente se explica, uma série de assassinatos misteriosos coloca o inspetor Colin Garrett, da Scotland Yard, na pista de um suposto assassino viajante do tempo, que aparentemente tem a intenção de eliminar três célebres escritores vitorianos e apoderar-se de suas obras mestras antes de sua publicação. São eles ninguém menos que o próprio H.G.Wells (“O Homem Invisível”), Bram Stoker (“Drácula”) e Henry James(“A Volta do Parafuso”), todos personagens retratados com uma humanidade ao mesmo tempo divertida e comovente. Outro personagem real desse período histórico tão suculento para os escritores de literatura especulativa, a Era Vitoriana, que é apresentado no livro de forma marcante, é Joseph Merrick, o Homem Elefante, que será uma influência fundamental para os rumos tomados pela carreira de Wells.

     Em dado momento, sobre a obra mestra de Henry James, o autor escreve: “Ao ver James sorrindo de modo dissimulado, Wells se perguntou como seria aquela história de fantasmas que no fundo não devia ser de fantasmas, ou talvez fosse, mas provavelmente não, já que levava a pensar que era.”

     Acontece que “O Mapa do Tempo” é exatamente isso: uma história de viagem no tempo que no fundo não deve ser de viagem no tempo, ou talvez seja, mas provavelmente não, já que leva a pensar que é. Ao longo de suas 470 páginas o leitor passará por etapas sucessivas e contraditórias: isso é ficção científica; não, não é ficção científica; mas será?... Em linguagem leve e folhetinesca, como se fosse uma obra escrita no período que retrata, o autor nos apresenta um retrato ao mesmo tempo encantador e fascinante da Londres vitoriana e seus personagens. Mais ainda, ele nos faz um relato esclarecedor do que se esconde no fundo da alma de um escritor; de ficção científica, no caso. Por tais motivos esse é um livro que certamente agradará a todos: fãs de FC e leitores do mainstream. Talvez ele lhes mostre que não são, afinal, dois grupos tão conflitantes como às vezes pretendem parecer.

     Se é uma história de FC, eu obviamente não vou revelar. Deixo essa surpresa para o leitor, que há de se encantar, como eu me encantei, com a forma como Palma, ao final da trama, une todas as pontas soltas de maneira perfeita. Mas uma coisa é mais que eloquente: “O Mapa do Tempo” é uma linda homenagem a nós, escritores, a nossos anseios e medos, a nossa solidão e ao nosso júbilo, e é um tributo da melhor qualidade ao nosso “subgênero” preferido, a ficção científica.

3 comentários:

  1. Gostei! Algum tempo atrás pensei em comprá-lo, mas deixei de lado, a sinopse não me fisgou e não tinha lido nenhum texto assim, sobre ele, que me despertasse para uma vontade maior em lê-lo! Vai para a minha lista de compras agora! Obrigada!

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  2. Excelente resenha para um romance... lindo.

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  3. Ótima resenha. Agora esse vai entrar para a lista de desejos, haha.

    Abraços!

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